sábado, 5 de abril de 2008

[Livro] Contos plausíveis


Segundo João Cabral de Melo Neto, "Carlos Drummond de Andrade mostra que ser poeta não significava ser sonhador, e que a ironia e a prosa cabem dentro da poesia". De acordo!

Este livro é realmente inusitado! Antes de mais nada, porque me foi emprestado pela Ana "da elétrica" ("da elétrica" não porque a ela fosse hiperativa, mas porque cursamos engenharia juntos na boa e velha universidade estadual de Campinas! Bons tempos!!!!) que reencontrei depois de muitos anos.

Mas o livro também "faz por onde". São contos curtos e independentes: cada um com menos de uma página (um chega a ter 3 linhas). Perfeito para quem não tem saco de ler textos longos! São extremamente divertidos, onde cada final garante uma boa risada. O texto exercita de forma primorosa dois princípios básicos: simplicidade e lógica (no meu entender, duas das grandes virtudes universais). Deveria ser usado nas escolas para ensinar redação e bom senso (isso se ensina?).

Verdade seja dia: o escencial é que me diverti demais lendo esse livro, o que foi um problema pois acabou quase imediatamente, me deixando "orfão". A grande "sacada" vem por conta de uma implícita crítica irônica à pretensão literária, com finais perfeitamente lógicos à situações fantasiosas (dái o nome contos plausíveis). Desta forma, clichês são satirizados com um final comum, gerando uma surpresa e uma boa risada. Na verdade, a identificação com o livro foi tão grande, em seu culto a simplicidade e racionalidade (i.e. simplicity is beautiful), que perguntei ao bom e velho google se o Drummond não era engenheiro. Mas era farmacêutico!

Para dar o gostinho, eis um conto plausível "pseudo-aleatório":


Abotoaduras


O maior fabricante de abotoaduras de punho fechou a indústria depois de convencer-se de que é infinitamente reduzido o número de camisas de manga comprida à disposição da humanidade. E, mais, que os exemplares deste gênero, ainda existentes, são providos de botões, dispensando abotoaduras.


– Trabalhei a vida inteira no setor – lastimava-se – e almejava legar a meus filhos a tradição das abotoaduras de punho, como requinte terminal de uma camisa digna desse nome. Os fatos ergueram-se contra mim. Não posso mais produzir abotoaduras de punho para camisas sem punho ou de punho abastardado por míseros botões de plástico.


Concluiu que é o fim da civilização e ia enforcar-se numa camisa esporte, estampada, quando esta, movida por vento súbito, saiu pelos ares, qual bandeira solta. E era tão bonito o esvoaçar do pano bigarreado, tão graciosas as evoluções que o homem resolveu desistir da morte e aplicar sua fortuna em uma indústria colossal de camisas de manga curta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom mesmo, rs. Talvez eu até animasse a ler depois de sua recomendação "livro fino".

Cara, olha só que babaquice. Descobri uma biblioteca de áudio para cegos. Estava achando o máximo e lendo e ouvindo o "Memórias póstumas". Caí na bobagem de mandar um email elogiando a iniciativa do site e adivinha? Bloquearam o acesso aos livros! Deprimente, né? Tipo: vamos fazer uma biblioteca para cegos, mas se alguém no planeta resolver usar a biblioteca fracassamos ao nosso maravilhoso e altruísta objetivo de ajudar os excluídos. Se vc se animar a me ajudar a driblar a segurança do site, me avise. Inté.

Jorge Albuquerque disse...

Cara, ateh q ajudo sim... Mas ateh entendo de bloquearem pra vc... (soh pq vc nao eh cego... hehehehe)

A parada eh que esse livro (o memórias póstumas) não está em dominio público. E hoje está se consolidando o mercado de "audiobooks". Isso é "marmota de americano" que tem prequiça de ler, e coloca o CD no carro de um ator lendo o livro e acha que isso eh leitura...

Mas estao empurrando o tal "audiobook" no brasil e se encontra CDs de grandes obras em megastores e grandes livrarias. Tb tem gente usando audiobooks em outras linguas para praticar compreensão oral.

Os caras de uma ONG DEVEM ter convencido as editoras dos audiobooks (ou melhor produtoras, ou melhor gravadoras, ou melhor, sei lah...) a licenciar com o fim especifico de uso para cegos.

Ou seja, vc é um potencial consumidor violando o termo de uso do produto. Por isso vc deveria ser barrado!!! Criminoso!!! :)

Claro, vc sempre pode contrair um glaucoma e vir a ter o direito de usufruir do acervo, mas tb existem comunidades que estao gravando em varias línguas os arcervos opensource do projeto Gutemberg e tb sempre existem outras formas... Me passa o site que achei interressante a iniciativa.